26 de mar. de 2012

Caixa da verdade

Para ler ouvindo Natalie Imbruglia - Torn.

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Depois de tanto penar naquele cais do porto, aprendi a ser intencionalmente indiferente. Como prêmio, a vida me deu uma caixinha curiosa, chamada "caixa da verdade". Não havia enfeites, não havia dificuldades: éramos apenas eu e a caixa. Nós dois.

Abri. As verdades saíam aos tropeços. Esbarravam em mim, rolavam pelo chão... Eram muitas. Eu só não conseguia saber quem eram os verdadeiros donos daquelas verdades, deixadas ali com tanta facilidade. Concordo? Discordo? Deixo passar batido? Sábio aquele que disse que, quando não se sabe o que fazer, é melhor não fazer nada. Eu, obviamente, não dei ouvidos.

Uma das verdades tentou me convencer, mas não obteve sucesso. Fechei a caixa e algum tempo depois, quando nem lembrava dela, reabri-la. E não é que a tal verdade estava lá de novo, tentando me convencer de que era realmente uma verdade? Verdade ou não, era diferente. E isso era bom. E foi ficando cada vez melhor porque a verdade se multiplicou, deixou aquele ar de "mentira sincera" pra trás.

Mas toda verdade dói. Com esta não foi diferente: criou-se o incômodo, a insegurança, o pisar em ovos tão dolorosamente desagradável que eu já havia sentido incontáveis vezes. A verdade queria uma verdade de mim. Eu, de repente, estava dentro da caixa - e pedindo pra sair.

"Não tenha medo", a verdade dizia. "Não espero nada de você além da verdade". Mas, afinal, qual é a verdade? E, mais ainda, serei capaz de encarar a SUA verdade se nem a MINHA eu sei qual é? Ou talvez eu saiba, mas talvez não queira que ela me machuque como todas as outras "verdades" que um dia eu tive...

O mais curioso nisso tudo foi que, dentro da caixa, havia uma caixa de lenços de papel e uma chapinha. Enquanto a verdade me acalmava do lado de fora, eu pensava...

Antigamente eu dormia chorando e acordava fazendo chapinha. Hoje não tenho mais tempo de chorar. Fazer chapinha pode ser legal, mas me torna alguém que eu não sou. O que fazer?

Saí. Pra dançar. Afinal de contas, uma vez no inferno, deve-se abraçar o capeta, jogá-lo no chão e finalizar.

(continua... ou não)
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Aí eu falei pra mim mesmo: "mim mesmo: cais do porto NUNCA MAIS".

20 de mar. de 2012

Cais do porto

Para ler ouvindo Melanie C - Don't need this.

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Lá estava eu, abandonado no cais do porto. Lencinho na mão, chorando copiosamente por mais um barco que se foi. O amor, capitão do barco, me prendeu ali de forma impiedosa.

Enquanto eu me despedia, meu coração gritava pedindo ao barco que voltasse. "Pobrezinho, mais um que espera no cais do porto", diziam os transeuntes. Mais um que se prendia a uma fagulha de esperança sumariamente apagada no mar da desilusão...

Então eu vi meu reflexo na água. Ele ria de forma desafiadora, sarcástica e pedante. "Quem você pensa que é para se deixar prender assim?", gritava. De repente olhou pra mim com cara séria. Estava nu. Assim como eu.

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Lá estava eu, estático e perplexo. Mais uma vez eu ficava ali, acorrentado e refletido naquelas águas escuras. E mais um barco se afastava do cais.

Gaivotas voavam sobre mim enquanto os transeuntes murmuravam de forma desdenhosa. "Quem ele acha que é para ousar esperar tanto tempo assim?" diziam. Aquele olhar aparentemente piedoso, na verdade, era cinismo e escárnio.

Então eu prestei mais atenção e me vi sobre o cais, com cara de quem sempre espera algo que nunca soube o que é. Lencinho na mão, rosto molhado de tanto chorar. Estava nu. Assim como eu.

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O ritual deveria ser o mesmo. Mas não foi.

O paramento era o mesmo, o espírito era o mesmo, mas o ritual não. EU não era o mesmo.

A dança, o transe, o elixir da vida e o autoflagelo. Cinco marretadas: o suficiente para quebrarem as correntes que me prendiam ao cais.

O barco se foi. Eu também. Nu - mas ninguém precisa saber disso.

12 de mar. de 2012

O que estou lendo

Não há livro tão mau que não tenha algo de bom.
(Miguel de Cervantes)

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De repente eu comecei a ler. De forma voraz, desmedidamente, ligeiramente sem critério. Lia tudo, lia qualquer palavra que estivesse escrita, onde quer que fosse. De livros a bulas de remédios, leio, leio, leio...

Então essa leitura dinâmica começou a me fazer mal. Apenas leio, sem vontade alguma de absorver as informações que estão ali. E as palavras, ora tão fascinantes para mim, passaram a ser apenas palavras. Sem sentido, vazias, nada convincentes. Todas iguais.

A partir daí, comecei a lembrar-me de obras que prenderam minha atenção. A última, por exemplo, era um livro com uma sinopse magnífica. Mas era trancado com um cadeado velho e sombrio. Nunca consegui abrí-lo, apenas tentava e, de forma doentia, lia e relia a tal sinopse para ver se havia ali alguma dica de como achar a chave daquele cadeado...

Um belo dia desisti de abrí-lo. Com isso, desisti de ler com atenção. Desisti de absorver informações novas - talvez por cansaço, talvez por descrença de que eu possa realmente encontrar alguma novidade.

E assim eu passei a ler minha própria história. Nada bom.

7 de mar. de 2012

Enquanto você dormia

Para ler ouvindo Os Mutantes - Balada do Louco.

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Enquanto você dormia eu pensava. Olhava para o teto, para as paredes sombrias de uma noite invasiva. A janela, escancarada, convidava o vento frio a entrar. Dois corpos nus.

Enquanto você dormia eu te vigiava e viajava em sonhos que nem sei se serão reais um dia. Sonhos meus, apenas meus.

Enquanto você dormia e a Balada do Louco embalava teu sono ébrio eu enlouquecia. Não piscava, não dormia. E no acalanto do meu peito, você se aninhava. Lugar comum.

Enquanto você dormia... Dois corpos nus... Louco...

Não mais.
Você acorda. Tenho que dormir.

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Eu juro que é melhor
Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu

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Flavia e Dudu, vocês são demais! Obrigado por me ajudarem a entender que de louco eu não tenho nada.