16 de dez. de 2011

Mãe e filha



Esta é uma história real, de uma mãe e uma filha. A mãe, desde pequena, sonhava em ser mãe. Planejava, arquitetava suas esperanças e, sempre que perguntavam se um dia se casaria, respondia rápido: "não sei, só sei que quero ser mãe!". Talvez parte disso tenha sido por não ter tido tanto amor de seus pais; talvez tenha sido pelo excesso de repressão sofrida na escola por ser o patinho feio da turma. A única certeza que ela tinha era de que precisava realizar seu maior sonho.

Mas, como sabemos, para ser mãe precisa-se de um pai. Nossa personagem então lançou mão de toda a maturidade (e calos) que a vida lhe proporcionou e resolveu encarar uma produção independente: ser mãe era seu único sonho e, talvez, ser mãe e também esposa não surtiria o mesmo efeito. Preferiu não arriscar - de praxe, já que havia entendido há bastante tempo que não servia para se arriscar. Toda vez que debandava para uma aventura acabava fazendo merda.

E a filha nasceu. Linda, loira, sorriso cativante. Da mãe só tinha os olhos: profundos, distantes, misteriosos. E o tempo realçou diariamente a personalidade forte que a filha tinha. Na escola era a líder de todos os grupinhos, todos a adoravam. Era despachada, bem resolvida, decidida. Ambiciosa, sedenta pela vida. Bem diferente da mãe, que era da filosofia "viva um dia de cada vez". Isso, obviamente, gerou incontáveis conflitos em casa. Todos porque a filha, do alto da sua experiência de uma pré-adolescente, não aceitava a forma certinha e careta que a mãe lhe impunha. Queria viver "tudo ao mesmo tempo agora", não importava o preço que isso lhe custasse.

A mãe tentava tolhir os impulsos da filha, mas eram em vão. Não pela filha ser mais forte, mas sim pela mãe não ser forte o bastante. Tinha medo de dizer não e perder o amor da filha. E deixava a filha fazer o que bem entendesse, operando como um porto seguro quando a filha arrumasse confusões. E isso sempre acontecia. Talvez por não dizer "não" à filha, tais situações se tornavam mais e mais recorrentes. No quesito "garotos", então, a situação era ainda pior: a filha gostava de dois, três, quatro ao mesmo tempo e queria todos. Se envolvia, criava expectativas... Não, não era promíscua: era apenas intensa e queria viver "tudo ao mesmo tempo agora".

Os caras, obviamente, se assustavam. E ela não entendia o que tinha feito de errado. Apenas chorava baixinho, no canto da cama, antes de dormir. E a mãe chegava perto para velar o sono, bem de mansinho. Não dizia nada - não adiantaria. Apenas ficava ali, deitada ao lado da filha fazendo cafuné enquanto esta se entregava ao cansaço. E a filha acordava no dia seguinte linda, loira, fazendo chapinha e pronta para outra. Um dia a mãe resolveu conversar com a filha e lhe pediu mais prudência. A filha riu na cara dela, dizendo que ser prudente era o mesmo que ser infeliz. Infeliz como a mãe, no fundo, era. A mãe calou-se e saiu.

Um belo dia, sem aviso nenhum, a filha conheceu um rapaz diferente dos outros. Inteligente, espirituoso, sincero... Do tipo "moço pra casar". A filha desconfiou e, pela primeira vez, perguntou à mãe o que ela achava. A mãe, muito sábia, disse: "deixe que as coisas aconteçam, talvez com menos ansiedade você consiga achar o equilíbrio e se dar bem com esse rapaz". E a filha acatou o conselho - à sua maneira, obviamente: enquanto todos os sinais de interesse de ambas as partes estavam ali, escondidos numa "amizade desinteressada", ela arriscava outras possibilidades ("tudo ao mesmo tempo agora", lembram?). Preciso dizer que ela se ferrava? Sim, se ferrava. E o rapaz sincero, enquanto os outros fugiam dessa menina atrapalhada, ficava.

Então a mãe, vendo aquilo tudo, procurou ajuda: Freud, homeopatia, horóscopo... Resolveu, finalmente, intervir: colocou a filha de castigo, trancada em casa por tempo indeterminado e com direito a sair apenas para ir à escola. Sem telefone, sem internet, sem contato com quem quer que pudesse iludí-la. A filha chorou, esperneou, quebrou metade da casa e trancafiou-se no quarto aos berros copiosos. A mãe ficou assustada. Por diversas vezes quis ir até lá e tirar a filha do castigo, mas lembrava-se do rapaz sincero e do quanto a filha poderia ser feliz com ele. Ela só precisava ser menos impulsiva e parar de depositar a garantia de sua felicidade em quem quer que fosse.

A mãe, enfim, entendeu que ser mãe é mais difícil do que ela supunha. E que ela devia, antes de acalentar um sonho, assimilar as consequências dele caso fosse realizado. E enquanto a filha gritava trancada no quarto, a mãe somatizava toda a sua culpa numa gastrite incurável: quanto mais a filha gritava, mais o estômago doía. E o rapaz procurava a filha, mas a mãe sempre dizia que ela não podia atender. Ele se preocupava, perguntava se estava tudo bem e a mãe o acalmava. Ele ia embora e a mãe, assim, adquiria mais um dilema para si: até quando esse rapaz vai esperar minha filha criar juízo?

Como disse no início, essa é uma história real de uma mãe e uma filha. E de um mundo povoado por incertezas. Mas, como diria Milan Kundera, "a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios". Vamos torcer para que a atuação de nossas personagens, portanto, não seja fruto somente do medo de repetir os erros do passado, mas sim da esperança de se construir uma nova história para si.

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