30 de nov. de 2012

A espera de Teresa

Quem espera sempre cansa

Teresa espera.

Espera uma vida descomplicada, desanuviada e estável. Com hora e lugar para ir e para voltar. Porto seguro, chaves, poltrona e chinelo ao lado.

Espera que a notem ali, sentadinha no banco da estação, enquanto espera um trem que nunca chega. "Será que o trem já passou?", pensa ela a cada cinco segundos. Talvez sim, talvez não. Mas ela, ainda assim, espera.

Espera que, ao ser notada, seja ajudada com as malas. Grandes, pesadas e escuras. Aquela pequena mala preta, com todos os seus pertences dentro, já não é mais suficiente para tantas aquisições e, mesmo sem ter como carregar tudo sozinha, precisou aumentar a bagagem.

Espera que alguém, assim como ela, deposite sua felicidade a seus pés. E, diferente do que todos os pés costumam fazer, os seus não pisarão na felicidade alheia.

Espera ligações, mensagens, sinais de fumaça, cartas de amor, sinais vermelhos e travesseiros que abraçam. Mas nada disso chega. Nem o trem.

***

Teresa dorme na estação.

Até quando?

Vez ou outra, Karenin, sua cachorrinha, lhe lambe a face e a faz lembrar que, em algum lugar bem longe dali, existe vida. Existe um sonho adormecido, uma mulher engajada e que, cansada de esperar, não espera mais ninguém.

Não há mais tempo para esperar que a vida lhe arrebate com coincidências, achados e destinos cruzados.

Mas Teresa espera.

25 de jul. de 2012

O muro


Do lado de cá do muro a vida era segura, pacata, comum... Quase perfeita. Eu andava pra lá e pra cá, procurando sentido naquilo tudo. Queria mais, esperava mais, sonhava mais.

E dei de cara com um muro.

Alto, alto, alto. Comprido, comprido, comprido.

Mas subi.

E do lado de lá do muro havia um mundo de cores, sabores e pessoas que eu nunca sequer poderia sonhar. Um mundo que era meu, mesmo sem eu saber. Um mundo que me fez querer descer do muro e vivê-lo como se não houvesse amanhã.

Mas quando eu fui descer...

Dei um passo em falso, tropecei e quase me estatelei no chão que eu havia deixado pra trás. Tive medo, muito medo de cair. Com muito esforço, voltei para cima do muro e lá me sentei.

E lá fiquei.

E lá ainda estou.

16 de jul. de 2012

O papel de cada um


***

"Cada um tem seu papel no mundo" (LOPES, Rudner)


Depois que ouvi a frase acima, comecei a pensar em qual é o meu papel no mundo. Ainda não cheguei a uma conclusão, mas teorias não me faltam.

Talvez o meu papel no mundo seja o de alguém amigo, paciente, que sabe ouvir e que tem sempre a palavra certa para todos os momentos. Afinal de contas, é sempre mais fácil dar pitaco na vida alheia do que resolver seus próprios problemas.

Talvez o meu papel no mundo seja o de entrar na vida das pessoas, observar, interagir e, no momento mais oportuno, sair de cena. Isso explica, em partes, o fato de tanta gente ter passado por aqui e poucos, muito poucos, terem permanecido.

Talvez o meu papel no mundo seja o de irmão mais velho, sábio e experiente - mesmo que isso implique em me tornar alguém que não pode errar e que nunca poderá ter falhar para manchar sua história.

Talvez o meu papel no mundo seja o de alguém bem humorado, divertido e que sabe conquistar as pessoas com seu carisma e sorriso fácil. Sorriso este que esconde melancolia, frustração, medo e rancor. Mas isso, claro, ninguém pode ficar sabendo.

Talvez o meu papel no mundo seja mesmo o de alguém que não possui meio termo: ou é drama, ou é circo. Porque terceiras opções são, de fato, para os fracos.

Só queria ser menos cobrado. Só queria me cobrar menos por ser alguém que nem sempre me faz feliz eu ser.

Mas talvez seja melhor assim: intocável, imaculado, imparcial e imprevisível. Talvez eu sofra menos se entender que, talvez, o meu papel no mundo seja o de não me envolver no papel dos outros.

7 de jun. de 2012

Calada da noite


Alguns gatos brincavam num beco escuro de uma cidade qualquer. Reviravam lixo, lambiam o filete de água do chão e organizavam, entre si, uma ordem hierárquica de quem faz o quê. Mas, como bons gatos, cada um acabou fazendo o que bem quis. Como bons gatos, desejam a noite e tudo o que ela pode lhes proporcionar.

A noite promete. Afinal, como dizem, todos os gatos são pardos quando se é noite. E é nesse escuro, nesse lado sombrio da noite - e da vida de um gato - que se esconde o seu lado mais traiçoeiro. Como um joguete saramaguiano, os gatos brincam de cegos. Mas todos sabem muito bem que gatos enxergam no escuro.

Um deles enxergou. Mais do que devia, até. Enxergou com os olhos, com as patas, com os bigodes e com o coração. Tentou se juntar ao bando, mas era branco demais para se passar por pardo. Foi revirar lixo sozinho.

E quando o gato sai...

Podia ouvir o ronronar dos outros gatos. Estavam menos ariscos. Seria o gato branco o causador de tanta algazarra? Resolveu espiar e foi traído pela escuridão: um carro o atropelou no exato momento em que ele saía do beco.

A curiosidade matou o gato branco.

A noite se foi. Os gatos juntaram-se ao corpo do gato branco tingido de sangue e estirado no asfalto escuro. Os olhos, dourados, mantinham-se esbugalhados pelo choque. Alvo-negro-rubro-áureo: tão disforme, tão poético, tão clichê quanto uma padronagem qualquer, que desperta-se subitamente nas brumas do dia seguinte.

Durma bem, gato branco. E, quando acordar, lembre-se que outros gatos o esperam no beco, mas que gato escaldado tem medo de água fria.

***

- Quem está correndo atrás dela?
- Ele!
- E quem está correndo atrás dele?
- Eu!
- E quem está correndo atrás de você?
- Ninguém...

(diálogo entre Julia Roberts e Rupert Everett no filme "O casamento do meu melhor amigo")

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É vida que segue.

15 de abr. de 2012

A estrada

Para ler ouvindo Lady Gaga - Marry the night.

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Então você está com medo de perder essa sua "nova liberdade"?


Precisei ir bem longe para entender, de forma prática, que a vida muda. Dez horas para ir, doze para voltar.

Para ir, a expectativa. Live, veloz e solitária numa estrada escura. A chegada: espera, dedos frenéticos e o abraço. Amigos, amigos, amigos... Mais e mais!

O legal de se trilhar caminhos desconhecidos é que tudo, absolutamente TUDO é descoberta. Em quase treze anos de estrada "conhecida" eu nunca me senti tão bem ao escolher um novo caminho para meus desejos.

***

Há o medo. Há o escuro. Há o pânico instalado por olhos e garras por trás da vegetação.

E há, atrás de mim, o brilho de farois para iluminar o caminho. É bom saber que não estou só.

Uma coisa é certa: trilhar este caminho, agora, é uma questão de honra.

***

Nunca pensei tanto na resposta mais adequada à pergunta da foto. Depois de tanto tempo "preso", é realmente libertador ser dono de mim.

Mudei? Sim. Pra melhor? Talvez.

Os tombos são cada vez menores, as pingas são cada vez mais bem dosadas. O que não me isenta de ainda sentir, vez ou outra, aquela ressaquinha chata no dia seguinte.

Quem quiser que me acompanhe: eu não espero mais ninguém.

26 de mar. de 2012

Caixa da verdade

Para ler ouvindo Natalie Imbruglia - Torn.

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Depois de tanto penar naquele cais do porto, aprendi a ser intencionalmente indiferente. Como prêmio, a vida me deu uma caixinha curiosa, chamada "caixa da verdade". Não havia enfeites, não havia dificuldades: éramos apenas eu e a caixa. Nós dois.

Abri. As verdades saíam aos tropeços. Esbarravam em mim, rolavam pelo chão... Eram muitas. Eu só não conseguia saber quem eram os verdadeiros donos daquelas verdades, deixadas ali com tanta facilidade. Concordo? Discordo? Deixo passar batido? Sábio aquele que disse que, quando não se sabe o que fazer, é melhor não fazer nada. Eu, obviamente, não dei ouvidos.

Uma das verdades tentou me convencer, mas não obteve sucesso. Fechei a caixa e algum tempo depois, quando nem lembrava dela, reabri-la. E não é que a tal verdade estava lá de novo, tentando me convencer de que era realmente uma verdade? Verdade ou não, era diferente. E isso era bom. E foi ficando cada vez melhor porque a verdade se multiplicou, deixou aquele ar de "mentira sincera" pra trás.

Mas toda verdade dói. Com esta não foi diferente: criou-se o incômodo, a insegurança, o pisar em ovos tão dolorosamente desagradável que eu já havia sentido incontáveis vezes. A verdade queria uma verdade de mim. Eu, de repente, estava dentro da caixa - e pedindo pra sair.

"Não tenha medo", a verdade dizia. "Não espero nada de você além da verdade". Mas, afinal, qual é a verdade? E, mais ainda, serei capaz de encarar a SUA verdade se nem a MINHA eu sei qual é? Ou talvez eu saiba, mas talvez não queira que ela me machuque como todas as outras "verdades" que um dia eu tive...

O mais curioso nisso tudo foi que, dentro da caixa, havia uma caixa de lenços de papel e uma chapinha. Enquanto a verdade me acalmava do lado de fora, eu pensava...

Antigamente eu dormia chorando e acordava fazendo chapinha. Hoje não tenho mais tempo de chorar. Fazer chapinha pode ser legal, mas me torna alguém que eu não sou. O que fazer?

Saí. Pra dançar. Afinal de contas, uma vez no inferno, deve-se abraçar o capeta, jogá-lo no chão e finalizar.

(continua... ou não)
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Aí eu falei pra mim mesmo: "mim mesmo: cais do porto NUNCA MAIS".

20 de mar. de 2012

Cais do porto

Para ler ouvindo Melanie C - Don't need this.

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Lá estava eu, abandonado no cais do porto. Lencinho na mão, chorando copiosamente por mais um barco que se foi. O amor, capitão do barco, me prendeu ali de forma impiedosa.

Enquanto eu me despedia, meu coração gritava pedindo ao barco que voltasse. "Pobrezinho, mais um que espera no cais do porto", diziam os transeuntes. Mais um que se prendia a uma fagulha de esperança sumariamente apagada no mar da desilusão...

Então eu vi meu reflexo na água. Ele ria de forma desafiadora, sarcástica e pedante. "Quem você pensa que é para se deixar prender assim?", gritava. De repente olhou pra mim com cara séria. Estava nu. Assim como eu.

***

Lá estava eu, estático e perplexo. Mais uma vez eu ficava ali, acorrentado e refletido naquelas águas escuras. E mais um barco se afastava do cais.

Gaivotas voavam sobre mim enquanto os transeuntes murmuravam de forma desdenhosa. "Quem ele acha que é para ousar esperar tanto tempo assim?" diziam. Aquele olhar aparentemente piedoso, na verdade, era cinismo e escárnio.

Então eu prestei mais atenção e me vi sobre o cais, com cara de quem sempre espera algo que nunca soube o que é. Lencinho na mão, rosto molhado de tanto chorar. Estava nu. Assim como eu.

***

O ritual deveria ser o mesmo. Mas não foi.

O paramento era o mesmo, o espírito era o mesmo, mas o ritual não. EU não era o mesmo.

A dança, o transe, o elixir da vida e o autoflagelo. Cinco marretadas: o suficiente para quebrarem as correntes que me prendiam ao cais.

O barco se foi. Eu também. Nu - mas ninguém precisa saber disso.